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terça-feira, março 19, 2024
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OPINIÃO: Documentário de uma pauta aberta – racismo e escravidão no Brasil

Sandra Martins (Cojira-Rio)
Racismo, preconceito, reparações, Lei 10.639/2003, o papel da sociedade e das instituições e entidades como a dos jornalistas, em questionar a responsabilidade do Estado brasileiro na perpetuação da discriminação e escravidão existente em pleno século XXI, assim como o genocídio dos povos indígenas e o desmonte das políticas públicas que atendem majoritariamente às populações historicamente subalternizadas. Estes temas foram abordados na pré-estréia do documentário “Brasil Negro: escravidão e preconceito” da jornalista Iara Cruz, sua diretora e roteirista, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais  do Município do Rio de Janeiro em uma ação conjunta com a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), órgão consultivo da entidade sindical.
O documentário relata a importância de negras e negros na formação histórica e econômica do país, incluindo o período do regime escravocrata entre os séculos 16 e 19. E para realçar tais dados dois debatedores se juntaram à Iara Cruz com mediação de Miro Nunes (Cojira-Sindijor), os doutorandos, respectivamente em Educação e História, Carla Lopes e Claudio Honorato.
A professora Carla Lopes, após historiar a importância de trabalhos sérios como o produzido por Iara e equipe, que deve reverberar nas salas de aula, pontuou as dificuldades encontradas não só no campo político para a aplicabilidade da lei 10.639/2003 e 11.645/2008, leis que alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB artigo 26A) que tratam da inclusão da história e culturas negras no currículo da rede de ensino e das diretrizes nacionais de educação antirracista e inclui a temática das nações indígenas.
Ela lembrou que desenvolveu um trabalho político-pedagógico em sua unidade escolar de ensino médio noturno em Quintino, subúrbio carioca, a partir de 2005, para a implementação da Lei 10.639/2003.  “No planejamento, fizemos convites a várias personalidades e instituições do Movimento Negro porque sem eles nada poderia ser conseguido, inclusive esta lei, que foi fruto deste movimento, e na promulgação da lei, o movimento negro foi retirado, excluído do processo”. Mas, com todas as dificuldades impostas, a capilarização se dá, lentamente. E em seu colégio, segundo Carla Lopes, os avanços foram tamanhos que de fato a temática racial foi incorporada ao projeto político pedagógico. Entretanto, agora com a Medida Provisória (MP) 746/2016 para reestruturação do ensino médio, tudo pode mudar, pois se antes tinham a legislação para impor como impossibilidade de fugas ao tema, agora com o avanço do conservadorismo, a preocupação é muito grande. “Não podemos deixar que isto aconteça”, disse a professora.
Claudio Honorato discorreu sobre a transmigração de escravizados e o quanto o Estado brasileiro efetivamente se empenhou na construção de um país e desconstrução de outros estados-nação. Números, dados, informações, pistas, sinalizações, que ainda hoje mostram no cotidiano que não são esquecimentos aleatórios, mas deliberados. Cláudio percebeu  que o filme questiona a legalidade da escravidão. O branco tira dele o pecado mental, ele se santifica, porque leva o pecado da escravização para o negro. E utiliza a literatura bíblica (a maldição de Can) e a literatura científica (do século XVIII e XIX, amplamente abraçado por Nina Rodrigues, no Brasil, mas no mundo com a antropologia e etnologia).
Cidadania era a questão do filme de Iara Cruz, que se disse contemplada pelas perguntas. “Fico feliz porque vocês entenderam minha questão, que era a pergunta que me fiz o tempo todo. Com tanto sofrimento, eles e elas buscavam a cidadania, que cidadania é esta?” Este é um questionamento que os presentes compartilharam durante pouco mais de uma hora de perguntas e respostas e reflexões.
O documentário “Brasil Negro: escravidão e preconceito” será veiculado em breve pela TV Alerj (sua produtora) e pelo seu conteúdo deveria ser distribuído, após a sua exibição pela mídia televisão, nas escolas de ensino médio e visto por adolescentes e, especialmente, professoras e professores, conforme sugestão da Cojira/Sindijor.
Iara Cruz disse que futuramente uma cópia estará no acervo do sindicato para também estar disponível aos jornalistas e demais interessados no tema.
Destaque no documentário para a sua edição feita também por Iara e William Vieira e a trilha sonora de Gabriel Fróes.  A obra tem entre seus méritos ser didática, pedagógica, explicando ao máximo em 60 minutos a questão do racismo no Brasil. Na certa o que faltou, e muito ainda a documentarista vai explorar daqui pra frente no campo dos direitos humanos, segundo ela própria, cabe também ao jornalista investigar, porque a matéria-prima de seu  cotidiano é a história da sociedade brasileira. Fica então a pergunta inicial de uma pauta jornalística: o que o jornalismo tem a ver com isso? Como os jornalistas podem contribuir para qualificar mais ainda o debate a respeito da questão racial no Brasil? Ouso dizer que podemos contribuir e muito porque replicamos conceitos, reverberamos o sim e o não.

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