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quinta-feira, março 28, 2024
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Telecomunicações: outorgas a quem paga mais

Tempos atrás, a concessão de outorgas de telecomunicação no Brasil era fornecida apenas a partir das relações políticas. Hoje, depois de alterações na legislação, estas concessões são dadas para quem paga mais, para quem tem mais dinheiro. Ou seja: pouca coisa mudou.
As transformações no setor estão expostas no livro Radiodifusão no Brasil: poder, política, prestígio e influência (152 páginas), da jornalista Genira Chagas, lançado recentemente pela editora Atlas. A autora, com sua pesquisa de doutorado pela PUC-SP, expõe a relação promíscua entre o poder político e a obtenção de canais de rádio e TV pelo País. Em tempos de discussão por um novo Marco Regulatório das Comunicações, os apontamentos de Genira vêm muito a calhar.
“Dentro das leis (de telecomunicação) sempre há um artigo ou outro que tem viés político”, destaca a jornalista, que pesquisou a história da radiodifusão a partir das mudanças na legislação do setor. “Entre 1932, quando a radiodifusão foi institucionalizada por Getúlio Vargas, e 1962, quando João Goulart a regulamentou, quem pautava as rádios eram apenas as agências de publicidade”, diz Genira, apontando o que chama de “primeira fase” do setor.
Na entrevista a seguir, ao site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio, a autora explica um pouco da relação entre poder político e os veículos de comunicação, destaca a falta de regulamentação de artigos da Constituição de 1988 e desenha o seu marco regulatório ideal. Confira.
A falta de estudos sobre a relação entre a legislação de radiodifusão e o poder político foi o principal motivo para dar início à pesquisa e ao livro?
Eu queria fazer o doutorado sobre radiodifusão. Como o professor Venício Lima (da Universidade de Brasília) disse uma vez, trata-se de um trabalho “que está para ser feito”. A pesquisa que eu fiz percorre os 90 anos da institucionalização da radiodifusão. Eu busquei reconstruir esta história porque não existe nenhum livro que a conte, existem artigos pontuais. Mas não há um trabalho mais abrangente.
A ligação entre política e as outorgas de telecomunicação sempre existiu?
O livro mostra todos os momentos da história da radiodifusão no Brasil, desde que foi instituída (1932) até hoje, sempre presente de forma muito política. Ela é entretenimento, mas a raiz dela é muito política. Quando Getúlio Vargas institucionalizou a radiodifusão, o fez via decreto, com o monopólio do Estado sobre ela. A partir daí, concedia as outorgas para quem opinasse favoravelmente ou para diminuir as críticas.
E as consequências deste loteamento da legislação do setor…
Desde Getúlio até hoje a radiodifusão no Brasil é muito política. O livro mostra diversos momentos em que a radiodifusão ajuda a contar a história do Brasil. Mas é a história do Brasil do jeito que o dono da outorga quis, é a visão de um grupo.
O Brasil está hoje numa democracia aparentemente estabelecida, que já tem mais de duas décadas. Podemos dizer que mudou alguma coisa nesta relação promíscua entre poder e outorgas a veículos de comunicação?
Mudou pouco. Hoje a gente tem a radiodifusão consolidada. O sistema de outorgas mudou. Passamos por épocas em que as outorgas eram dadas de forma discricionárias, apenas com a questão política. Hoje é para quem paga mais. E quem paga mais, atualmente, são os grupos religiosos. Não podemos dizer que isso é uma forma democrática de fazer as coisas. A gente tem uma questão mais grave: antes da Constituição de 1988, a outorga era dada diretamente pelo Executivo, e agora é o Congresso que tem que aprovar a concessão. Ou seja: depende do Congresso cassar outorga em votação nominal. Que parlamentar que vai votar contra seus pares? Vale lembrar que a concessão não é permitida para quem exerce cargo público, de acordo com a própria Constituição de 1988. Mas isso precisa ser regulamentado e esclarecido.
As suas pesquisas levam à conclusão de que um Marco Regulatório das Comunicações é urgente?
A gente precisaria de um marco regulatório atualizado, que contemple a convergência tecnológica e que respeite a Constituição, as cotas regionais, o conteúdo, a diversidade de opinião. Hoje não temos qualquer diversidade de opinião, temos grupos que falam a mesma coisa o tempo inteiro.

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