por João Batista de Abreu
(texto publicado na edição 698 do Observatório da Imprensa)
O repórter Tim Lopes gostava de correr atrás do incomum. Ultrapassar obstáculos assumidamente difíceis lhe dava imenso prazer profissional, como a qualquer bom repórter. Certa vez, em início de carreira, fez-se passar por operário das obras do metrô do Rio de Janeiro para mostrar as péssimas condições de trabalho nos canteiros das empreiteiras. Em outra ocasião, inscreveu-se num curso de formação de vigilantes para relatar a preparação precária desses profissionais que carregam uma arma e têm a missão de proteger o patrimônio alheio. Foi descoberto e “convidado” a se retirar.
Mulato, nascido no Rio Grande do Sul, criado na Mangueira, jeito de rubro-negro mas vascaíno de coração, Tim era a antítese do repórter que se supõe com alto nível de instrução e formado em bons colégios da classe média urbana. Começou como office-boy nas empresas Bloch e cavou uma chance até mudar de mesa com direito a máquina de escrever. Mais tarde, cursou Jornalismo na Faculdade Hélio Alonso. Conquistou um diploma.
Eu o conheci nas aulas de ginástica da ACM, na Lapa, em que aquele sujeito meio troncudo, meio gordo, puxava a fila da corrida, para provar aos outros, e a si mesmo, que era capaz, sim, de vencer obstáculos. Era a hora do almoço. A corrida tinha a dupla função de gastar energia e economizar o dinheiro da refeição. Nos anos 1980, correu a São Silvestre e aproveitou para entrevistar o então ministro do Planejamento, João Sayad, que também se ensaiava como atleta amador.
Crime tratado como assassinato banal
Nos tempos de vacas magras, trabalhou como entrevistador de enquetes para agências de publicidade. Tim era um lutador. Só isso já seria suficiente para reconhecer o valor do Arcanjo, seu nome de batismo. Mas o repórter tinha uma verdadeira obstinação de desvendar o lado oculto da sociedade, uma espécie de paixão pelo lado B da vida, aquele antigo disco compacto em que somente uma música fazia sucesso e a outra era condenada ao anonimato. Tim gostava dos anônimos, até porque ele mesmo era um deles.
Como produtor de TV, descobria pautas, conseguia imagens e exibia matérias que podiam levar sua assinatura, mas nunca sua face. Talvez o único momento em que mostrou o rosto na televisão foi quando, em 2001, recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo por uma série de reportagens para o programa Fantástico sobre o encontro de assassinos presos com familiares das vítimas.
Curiosamente, na semana do assassinato do repórter, em junho de 2002, o Rio de Janeiro testemunhou um crime que simbolizava uma pauta perfeita para Tim Lopes. O corpo da vice-prefeita de Magé, Lídia de Almeida Menezes, de 38 anos, foi encontrado com marcas de tiros e carbonizado na Baixada Fluminense. Sempre a Baixada.
Notícia: um pequeno registro de pé de página nos jornais populares. Era mais um assassinato daquelas pessoas anônimas a quem a sociedade não dá direito ao reconhecimento. Afinal de contas, Lídia era uma babá e empregada doméstica, natural de Piabetá, que gostava de tocar piano e se interessava pelas coisas da política. Queria ser vereadora, mas acabou sendo convencida a disputar a vice-prefeitura de Magé ao lado de Narriman Zito, mulher do prefeito de Duque de Caxias. Principal suspeito: um político de alcunha Batata, preso e solto um ano depois por falta de provas.
Se estivesse vivo, Tim talvez se interessasse em desvendar o crime político que a imprensa tratou como um assassinato banal. Talvez mergulhasse no submundo da Baixada, com ou sem câmara oculta, para revelar o cotidiano da política de um lugar tão perto do Rio e tão distante da cidadania. Que pena. Tim morreu no mesmo dia de Lídia.
João Batista de Abreu é jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense