Os passos de Frei Tito de Alencar foram reconstituídos em cerca de duas horas de debate no auditório do Sindicato, nesta segunda-feira (28), durante o lançamento da biografia ‘Um homem torturado: nos passos de Frei Tito de Alencar’no auditório do Sindicato. Cerca de 60 pessoas prestigiaram o evento, que contou a presença das autoras da obra, as jornalistas Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meirelles, e de Frei Betto, jornalista, e Ivo Lesbaupin, cientista político, ambos amigos do frade dominicano no noviciado e no cárcere.
Frei Tito foi um expoente da resistência revolucionária ao regime militar, tendo atuado em organizações de esquerda, como a ALN (Aliança Libertadora Nacional) de Carlos Marighella, e auxiliado na organização do célebre congresso da UNE em Ibiúna, que rendeu anos de prisão a diversos militantes, como José Dirceu e Vladimir Palmeira. Ele foi preso em 1969 no Dops, onde sofreu em sessões de tortura comandadas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Exilado após anos na prisão, ele passou pelo Chile e pela Itália, até ser acolhido pelos dominicados na França. Apesar de estar longe das garras do regime, Tito nunca se recuperou das sequelas provocadas pela tortura. O frade se suicidou em agosto de 1974.
“Como disse o Dom Paulo Evaristo Arns na missa da Sé após o retorno do corpo do Tito ao Brasil: Frei Tito não se matou, ele buscou do outro lado da vida a unidade que perdeu do lado de cá”, afirmou Frei Betto, que organiza uma série de celebrações em agosto, em São Paulo, pela ocasião dos 40 anos da morte do amigo.
A perturbadora memória de Fleury teria sido uma das razões para o suicídio de Tito, afirma Ivo Lesbaupin. Ele revelou que, em muitas sessões de tortura, o delegado usava uma batina de padre. “Fleury entrou no íntimo de Tito e destruiu o que havia de mais forte nele, que era a sua fé”, disse.
Para Clarisse Meirelles, uma das autoras da obra, o livro resgata uma história, entre muitas, que ainda não são amplamente debatidas pela sociedade brasileira, que convive com entulho autoritário:
“O Tito faz uma denúncia que, infelizmente, nos dias de hoje, trocando alguns personagens, é muito pertinente. Ele diz: ‘o país do samba, futebol e de Pelé é também o grande campeão de tortura. A única coisa democrática no Brasil é a tortura, que existe indiscriminadamente para operários, sacerdotes, advogados, enfim, para todas as categorias de pessoas’. Hoje a tortura deixou de ser democrática no Brasil e não atinge mais todas as categorias de pessoas. Ela voltou como nos tempos anteriores à ditadura, destinada aos pobres do nosso país”
A jornalista Leneide Duarte-Plon, que também assina o livro, faz coro e diz que a tortura é uma das principais heranças da ditadura civil-militar que permanece após a abertura democrática promovida pela Constituição de 1988:
“A tortura é produto de um sistema e se desenvolve dentro da lógica desse sistema. Lamentavelmente, o sistema que alimentou a tortura continua aí presente já que Amarildos continuam desaparecendo, as pessoas continuam sendo torturadas nas delegacias, interrogatórios são tomados sob tortura. O que mudou foi o público torturado. Não é mais a democracia que o Tito dizia, em que todos eram torturados. Atualmente, são torturados os oprimidos, os pretos, os pobres, os jovens. Estão fazendo uma verdadeira limpeza étnica no nosso país. Até quando vamos suportar isso?”