Numa sentença de seis páginas, datada de 12 de julho deste ano, o juiz Ricardo Coimbra Barcellos, da 13ª Vara da Fazenda Pública, decidiu que o estado do Rio de Janeiro deve indenizar o repórter fotográfico sequestrado e torturado em 2008 na comunidade do Batan, em Realengo, no Rio de Janeiro.
A sentença obriga o pagamento de R$ 90 mil para o jornalista, R$ 20 mil para a sua esposa à época, R$ 20 mil para cada um de seus dois filhos e R$ 10 mil para uma sobrinha, que vive junto à família.
A decisão reconhece que a tortura pela qual passou a equipe de reportagem do jornal O Dia é um atentado “à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa”. Porém, conforme relata a família do torturado, ficou uma sensação de vitória parcial.
“Nestes últimos quatro anos (desde o episódio no Batan), só de terapia eu gastei R$ 48 mil, sem falar em remédio”, conta a ex-companheira do jornalista, que prefere não se identificar. A família, além do próprio repórter fotográfico, vai recorrer da decisão em busca de uma quantia maior, que repare os danos morais sofridos a partir da ação dos milicianos.
O jornalista – assim como a repórter e o motorista que faziam parte da equipe de reportagem torturada no Batan – foi morar em cidade distante do Rio de Janeiro. Paralelo a isso, sua família, que vive sob a sensação de perseguição por parte de policiais integrantes de milícia, mudou quatro vezes de residência desde 2008.
“Tivemos (no processo) uma vitória justa, o que não foi justo foi o valor”, contesta a ex-mulher do jornalista. “Foi toda uma família destruída, dilacerada. E meu filho mais novo, de 20 anos, não sai de casa, sofre de depressão”, conta ela.
A ação foi proposta pela família no ano passado. Por ser uma obrigação constitucional, o estado – que em sua defesa no processo alegou que o jornalista assumiu o risco ao ir trabalhar em área sabidamente dominada por grupo paramilitar – vai recorrer da decisão. Uma nova página sobre o caso será construída a partir do mês que vem.
“Vamos levar isso para a Câmara Cível, que é a segunda instância, provavelmente em agosto, para majorar o valor”, explica o advogado da família, Carlos Eduardo Cavalcante Ramos.
“A nossa tese (no processo) foi de que o Estado tem responsabilidade em razão da ausência de uma política de segurança pública naquela localidade (Batan)”, expõe ele. ”O estado responde pela sua ausência e existência de um ente paramilitar”, completa o advogado.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio apoia a luta do jornalista e de sua família na busca de uma reparação justa. Na própria sentença, o juiz deixa claro o peso e o valor com que o trabalho da imprensa merece ser visto:
“Apesar do risco (sic) ser inerente à profissão de repórter, não é menos exato afirmar que este não pode ser punido por ser corajoso e eficiente no exercício de suas atividades. Admitir que a culpa pelos danos decorrentes de uma tortura é exclusiva da vítima, porque no exercício da sua profissão de repórter se aproxima da descoberta e publicação de um crime, é o mesmo que afirmar que a culpa seria exclusiva do juiz caso seja torturado por um réu insatisfeito com uma sentença condenatória. Seria uma inversão de valores.”
Sobre a tortura no Batan
Em maio de 2008, enquanto fazia reportagem sobre a atuação de milícia na favela do Batan, uma equipe do jornal O Dia foi identificada e torturada por mais de sete horas pelos criminosos – entre eles policiais – com chutes, socos, choques, pontapés e sufocamento. A equipe era formada por uma repórter, um repórter fotográfico e um motorista. Eles estavam há duas semanas morando na comunidade, com nomes trocados, para apurar informações. Após sessões de tortura, a equipe foi deixada na Avenida Brasil.
O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio cobrou que O Dia se comprometesse a manter o salário dos profissionais, além de pagar auxílio moradia, auxílio psicológico e outras despesas necessárias à permanência fora do Rio de Janeiro. A empresa atendeu a esta solicitação. À época, o Sindicato divulgou nota de repúdio ao estado paralelo.
Na imagem, reprodução de parte da capa do jornal O Dia de 1º de julho de 2008, que divulgou sequestro e tortura da equipe de reportagem.