É até difícil, para os mais jovens, imaginar que o Brasil viveu uma situação como essa: dois cantores famosos, Gilberto Gil e Caetano Veloso, são presos pelo Exército, sem ao menos saber o motivo. Na prisão eles têm as cabeças raspadas e são consolados por intelectuais do porte de Antonio Callado e Ferreira Gullar, que também tinham sido presos. Histórias como essas prenderam a atenção de todos que foram ao Sindicato dos Jornalistas na terça-feira 16/04 assistir ao documentário “Canções do Exílio – a Labareda que Lambeu Tudo”, do jornalista Geneton Moraes Neto. Em seguida houve um debate com Geneton e Cid Benjamin, ex-diretor do Sindicato, que viveu nove anos no exílio.
Gil e Caetano foram presos em dezembro de 1968, logo após a decretação do Ato 5. Passaram por três quartéis e depois ficaram em prisão domiciliar, até que os militares decidissem que eles tinham que deixar o Brasil. E lá se foram os dois amigos, primeiro para Paris e depois para Londres, onde ficaram por dois anos.
A narração rascante de Paulo Cesar Pereio é entremeada pelas recordações de Gil, Caetano e também de Jorge Mautner e Jards Macalé, que visitaram os dois compositores e os ajudaram a enfrentar aqueles dias difíceis, de muita saudade do Brasil, da família, dos amigos e do sol tropical.
O filme revela alguns episódios pouco conhecidos, como o dia em que os militares autorizaram Caetano Veloso a visitar a família. Ao desembarcar no Galeão, no Rio, mais um sufoco: ele foi enfiado em um fusca por policiais à paisana e levado para um apartamento na Avenida Presidente Vargas. Foram seis horas de interrogatório, tudo registrado em um gravador de rolo. O próprio Caetano pergunta: onde estarão essas gravações?
O filme foi muito aplaudido, no final. Em seguida, durante o debate com Geneton e Cid Benjamin o tema dominante foi a luta armada contra a ditadura, o que já era esperado. Afinal, Cid participou de um dos episódios mais dramáticos da luta contra a ditadura – o seqüestro, em 1968, do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Depois de tensas negociações entre os seqüestradores e o governo militar, o embaixador foi trocado por 15 prisioneiros políticos. Preso mais tarde, Cid Benjamin foi libertado em troca de outro embaixador seqüestrado – o alemão Ehrenfiend von Holleben – e passou nove anos no exílio.
Cid admite hoje que a luta armada foi um erro, mas ressalta que o seqüestro do embaixador americano teve um grande impacto político. “Como o sequestro deu certo, ficou a impressão de que a guerrilha tinha uma força que na verdade não possuía” – disse ele.
No final do debate, a pergunta que não poderia faltar: e se os militares se recusassem a libertar os presos políticos exigidos em troca do embaixador americano, ele seria morto pelos guerrilheiros? Sim, respondeu Cid. “Isso já tinha sido previamente combinado.”
“Canções do Exílio” – a Labareda que Lambeu Tudo” foi o segundo documentário de Geneton Moraes Neto apresentado no auditório do Sindicato dos Jornalistas. Na terça-feira 9/04 foi exibido “Garrafas ao Mar: a Víbora Manda Lembranças” sobre a vida de um dos mais importantes repórteres brasileiros, o sergipano Joel Silveira, que morreu em agosto de 2007.