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domingo, maio 5, 2024
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Gritam as vozes dissonantes sobre crimes da ditadura

Estrutura enxuta, tempo escasso, trabalho em sigilo… Há pessoas gabaritadas que apontam uma lista extensa de percalços que a Comissão da Verdade terá pela frente. Estes problemas, inclusive, têm início na própria concepção do grupo, composto por sete intelectuais e que terá dois anos para reescrever a história de crimes praticados pela ditadura militar (1964-1985).
“Nós lutamos por uma comissão da verdade e justiça, mas não foi isso que quiseram os governos Lula e Dilma”, lembra Angela Mendes de Almeida, companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 pela ditadura em São Paulo. No último 26 de junho, a Justiça reconheceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como torturador de Merlino, e condenou o militar a indenizar os familiares do jornalista (confira entrevista abaixo).
Angela participou de reunião com os membros da Comissão da Verdade. No encontro, vários militantes de esquerda e parentes de desaparecidos políticos manifestaram insatisfação pelo formato do grupo, que não tem poder de fazer justiça, de prender os criminosos. “Agora, esperamos que cumpram o trabalho deles, que é sobretudo investigar e revelar os nomes verdadeiros dos torturadores”, expõe Angela.
Quem concorda com a companheira de Merlino é o jornalista Bernardo Kucinski (foto). Durante lançamento de seu livro K., na seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Braisl (OAB), no dia 27 de junho, o professor da Universidade de São Paulo (USP) disse ter “todos os motivos” para não esperar muita coisa do grupo formado pelo governo federal em maio deste ano.
“Tenho uma avaliação cética sobre o andamento da comissão principalmente por ela trabalhar em sigilo. Isso já vai limitar seu poder pedagógico”, ressalta Kucinski, que tem sua irmã, Ana Rosa Kucinski, até hoje desaparecida. Ela foi presa em 1974 na capital paulista. “Esta Comissão da Verdade vai trabalhar sem levantar poeira, vai fazer um relatório, este relatório será divulgado pela imprensa durante alguns dias e, depois, nunca mais vai se falar sobre o assunto”, prevê o jornalista.
Durante o lançamento do livro de Kucinski, na OAB-RJ, vários ex-presos e exilados políticos durante o regime militar também demonstraram insatisfação com o grupo que tem a responsabilidade de elucidar crimes cobertos pela poeira de quatro décadas. A desculpa de que esta é a “comissão possível” não foi aceita.
Foto: Victor Soares/Agência Brasil
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“É uma luta que vai continuar”
Confira a seguir entrevista de Angela Mendes de Almeira, militante e companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, ao site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio. Angela e a irmã do jornalista, Tatiana, ganharam, em primeira instância, ação cível sobre o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandava o DOI-Codi de São Paulo em 1971, quando Merlino foi preso, torturado e assassinado no local. Cada uma deve receber R$ 50 mil do militar.
A Justiça reconheceu um torturador e o condenou a pagar indenização. É um avanço esta decisão?
Nos deixou bastante contentes. É uma luta de 41 anos. A sentença reconhece que houve uma tortura bárbara e apontou a responsabilidade pessoal do Ustra como comandante. Esta decisão faz parte de uma luta maior de todos, dos familiares de mortos e desaparecidos, de torturados e perseguidos. É uma luta que vai continuar.
A defesa do coronel Ustra alega que a Lei da Anistia invalida a decisão…
Mas o processo é na área cível (a Lei da Anistia vale para a área criminal). Já houve manifestação do Supremo Tribunal Federal afirmando que a lei se refere apenas à área criminal e não à cível. Além disso, nós não estamos de acordo com a decisão do STF que interpretou que a Lei da Anistia vale para os torturadores.
A carreira de Merlino no jornalismo foi muito produtiva…
Ele foi jornalista já com 17 anos, no Jornal da Tarde, aplicando grafismos novos para aquela época. Depois foi para a Folha da Tarde, criada para concorrer com o Jornal da Tarde. Antes de sua morte, tinha saído da Folha da Tarde porque ali tinha ficado um antro de pessoas ligadas a repartições de segurança.
Qual a sua opinião sobre os protestos de jovens em frente a casas de torturadores, o chamado esculacho?
Sou entusiasta. Os jovens estão adotando a nossa luta numa certa medida e eu penso que eles sentem que a impunidade (da época da ditadura) tem a ver com a impunidade de hoje. Se não há justiça, haverá esculacho popular, é a frase deles.
Sobre Merlino: Militantes do Partido Operário Comunista (POC), Merlino e Angela Mendes de Almeida estavam clandestinos desde 1968. Em 1971, após um período na França, o jornalista voltou ao Brasil. Em 15 de julho, quando visitava a família em Santos, litoral paulista, foi levado preso por agentes do DOI-Codi.

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