O jornalista Fritz Utzeri entrou para o Jornal do Brasil, como ele costumava dizer, “um pouco antes de tudo”. Isso porque o ano era 1968, o Brasil estava às vésperas do Ato Institucional número 5, que viria a escancarar a censura. Com 23 anos e estudante de Medicina na Uerj, Utzeri era um jovem com muitas ideias na cabeça e vontade de escrever.
“Eu tenho certeza até hoje de que eu fui convocado ou recrutado ou escolhido dentro do Jornal do Brasil já pensando no sequestro do embaixador americano (Charles Burke Elbrick, em 1969). Porque a prova de seleção do JB era uma ‘esquerdalha’”, conta o jornalista, em depoimento ao Centro de Cultura e Memória do Jornalismo do Sindicato do Rio (confira a íntegra aqui).
De fato, seja pelo sequestro do embaixador ou pela habilidade de responder perguntas sobre União Soviética na prova de seleção do jornal, Fritz Utzeri, que saiu da Alemanha ainda criança com sua família, entrou no jornalismo brasileiro para fazer história. Participou de um importante grupo de repórteres do Jornal do Brasil, trabalhou com Alberto Dines, Carlos Lemos, Luiz Mario Gazzaneo. Em 1981, estava na equipe que ganhou a categoria principal do Prêmio Esso pela reportagem Bombas no Riocentro.
Nesse trabalho, Utzeri teve participação de investigador: expôs que o Exército praticava terrorismo a partir do caso em que dois militares tentaram executar um atentado durante um show, na noite de 30 de abril, em comemoração ao Dia do Trabalhador, nos pavilhões do Riocentro. No entanto, um dos militares, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, morreu dentro do próprio veículo, com a explosão acidental da bomba que ele manipulava. O capitão Wilson Machado, que dirigia o carro, ficou gravemente ferido.
O jornalista narrou assim, ao Centro de Cultura e Memória do Jornalismo, o momento em que a reportagem sobre os militares começou a se desenhar: “Quando explode o [carro] Puma com o Capitão Wilson e o Sargento Guilherme, eu tava em casa e não soube de nada. Só no dia seguinte eu soube, quando peguei o jornal. Mas eu morava perto, morava no Novo Leblon naquela ocasião. Fiquei: ‘Pô, por que não me avisaram?’ Mas no dia seguinte, era um sábado, eu estava de plantão e um amigo meu, um outro amigo meu, um colega nosso o Fleury, Sérgio Fleury, ele estava de folga e foi à praia na Barra e passou diante da delegacia da Barra e viu o Puma em um terreno baldio em frente. Tiraram lá do Rio Centro e jogaram ele ali. Aí telefonou para o jornal, eu atendi o telefone e o Heraldo (Dias) que estava chefiando o plantão, eu disse: ‘Eu pego.’ Peguei um fotógrafo e fui para o local e ficamos… o fotógrafo deve ter feito uns quatro ou cinco rolos de filme no carro… tudo, tudo, dava para ver que a marcha ré estava engrenada, dava para ver a hora que explodiu porque relógio estava parado, as coisas que estavam dentro do carro, a coluna da cabine do lado do carona que tinha quebrado com o impacto da explosão, os bancos queimados, aquela coisa toda…”,
Após lutar durante anos contra um linfoma, Fritz Utzeri faleceu na manhã desta segunda-feira (4/2), no Rio de Janeiro, aos 68 anos. Seu corpo será velado na capela 6 do Memorial do Carmo (Caju) das 17 horas desta segunda-feira até o meio-dia de terça-feira (5/2). Em seguida será cremado.
“Ele era muito inteligente, muito divertido. E tinha humor cortante”, lembra Jorge Antônio Barros, hoje editor em O Globo e, no início da década de 1980, estagiário no Jornal do Brasil que acompanhava passo a passo o trabalho de Utzeri. “Ele fazia ótimos perfis. Teve um carnaval que ele foi para um retiro e fez um personagem que não queria saber de festa, nem de mulata, foi ótimo”, lembra Barros.
“Além disso, no carnaval de 1982, o Fritz me salvou de uma. Eu fui entrevistar o Joãosinho Trinta, sua escola tinha perdido naquele ano. Cheguei lá e ele foi logo dizendo que não me conhecia e que não iria dar entrevista para estagiário. Liguei para a redação e mandaram o Fritz. Acabei acompanhando a entrevista para aprender sobre carnaval”, lembra Jorge Antônio Barros.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio lamenta profundamente o falecimento de Fritz Utzeri, que ensinou a muitos a inventividade da profissão de jornalista. Aos familiares, colegas e amigos, nossa solidariedade.