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Informação qualificada

Artigo reproduzido do jornal O Globo, edição de 22 de dezembro de 2011.
Poucos leitores vão se lembrar, mas houve um tempo em que advogados faziam reportagens sobre seus processos. Policiais cobriam crimes de colegas e filhos de empreiteiros selecionavam pautas de urbanismo. O “quem indicou” era o item curricular por excelência nas redações, mais valioso do que a capacitação. Tempos nublados, com manchetes pregando golpes contra governos constitucionais. Foi no regime militar, implantado em 1964 com o apoio dos empresários da mídia, que um decreto passou a exigir o diploma de jornalista, hoje combatido por lobistas e aduladores dos grupos de comunicação.
O decreto, paradoxalmente, promoveu um iluminismo nas redações. As técnicas se aperfeiçoaram e milhares de jovens passaram a se formar jurando ouvir os dois lados, não omitir, não mentir e não distorcer. Mesmo com a censura política ou econômica, o ganho de qualidade fez da imprensa uma das instituições de maior credibilidade no país.
A sociedade reagiu incrédula quando o STF, há dois anos, empurrou as redações para o túnel do tempo em direção aos anos escuros. Para inutilizar o diploma, os guardiães da Constituição reduziram o conceito de liberdade para encaixá-lo no objetivo mundano das empresas de aviltar salários e enfraquecer os empregados. O susto popular sensibilizou o Legislativo, pai da Constituição, e o senador Antonio Carlos Valladares (PSB-SE) propôs emendar a Carta para ajudar os ministros do STF a se conectarem à intenção dos legisladores.
Apenas sete votaram contra a PEC, por negócios próprios ou suscetibilidade ao lobby empresarial. O objetivo dos 65 que votaram a favor não foi o de reagir contra a judicialização da vida republicana, o que até seria legítimo. O Legislativo quer esclarecer o que o leitor já sabe: o diploma de jornalista nunca violentou a liberdade de expressão, assim como o de advogado não ameaça o direito de defesa.
A faculdade de Jornalismo surgiu nos Estados Unidos. Lá, o diploma não é obrigatório, mas os veículos escalam diplomados porque precisam de qualidade para enfrentar a concorrência, estimulada por leis contra a formação de monopólios. Aqui, onde qualquer tentativa de promover a competitividade vira atentado à imprensa, o diploma se tornou aliado do público que exige informação de qualidade.
A PEC reafirma o que o STF ainda pode enxergar: a exigência do diploma para trabalhar como editor, repórter ou pauteiro não afronta princípios constitucionais nem sufoca pensamentos ou ideias. O que está em jogo é a precarização das relações de trabalho nas redações, o desmonte de uma categoria profissional que, muito mais do que qualquer outra, tem na liberdade de imprensa e expressão uma condição básica de sobrevivência.
A julgar pelo placar da primeira votação, 65 a 7, o Congresso deve aprovar a PEC, mas não é impossível que o STF volte a comparar jornalistas a cozinheiros e a embaralhar liberdade de imprensa com vontade de empresa. Se a emenda for derrubada no Judiciário, a sociedade precisará redobrar o cuidado com a informação que recebe, pois cada vez mais policiais vão segurar microfones de telejornais na cobertura dos assuntos de segurança pública. O público não merece.
AZIZ FILHO, jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro.

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